Devoções em marcha no Círio de Nazaré

Autores

  • Cristian Sicsú da Glória Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião no Centro de Ciências Sociais e Educação (CCSE) da Universidade do Estado do Pará (UEPA).

Resumo

O Círio de Nazaré é um acontecimento. Há anos ele tem chamado a atenção não apenas de fiéis em busca de bens espirituais, mas também da mídia e de cientistas sociais, empenhados em descrever e apresentar a festa e toda a devoção nela envolvida. Independente do vínculo, é difícil não se deixar afetar pelo que se vê e se sente em meio a tanta comoção popular. Esse ensaio apresenta um pouco da minha própria experiência, de estudioso da religião em formação e fotógrafo, em meu primeiro ano em Belém. As fotos retratam as ruas da capital paraense tomadas por manifestações de fé, uma modalidade ao mesmo tempo tão antiga e tão nova de ocupação religiosa dos espaços públicos.

É uma tentativa de mostrar uma das muitas dimensões dessa festa que tem mais de dois séculos e é uma das maiores manifestações religiosas do Brasil. Em 2019 os festejos à Santa padroeira tiveram seu início no dia 13 de outubro e se estenderam até o dia 27 do mesmo mês. Reuniram cerca de três milhões de devotos, vindos de várias regiões do país. Por sua grandiosidade, o Círio de Belém foi registrado, em setembro de 2004, pelo instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), como patrimônio cultural imaterial brasileiro.

No segundo domingo de outubro acontece uma das procissões mais importantes do Círio de Nazaré, saindo da Catedral de Belém em direção à Praça Santuário de Nazaré – um trajeto de aproximadamente 3,6 quilômetros. Reúne pagadores de promessas e aqueles que se lançam a fazer o percurso segurando a corda que mede aproximadamente 400 metros, símbolo de grande valor religioso. Obter um pedaço da corda significa estabelecer um elo entre Nossa Senhora e seus fiéis, o que resulta em grandes disputas. Muitos fies levam objetos cortantes com o propósito de obter um pedaço da corda.

Dentre o período festivo inúmeras manifestações populares não pertencentes à Igreja institucional se somam ao evento, com propósito de homenagear a Santa Padroeira dos paraenses. Por exemplo, o Auto do Círio, organizado pela Escola de Teatro Dança da Universidade Federal do Pará; a Festa da Chiquita, que reúne a comunidade homoafetiva belenense em frente ao Teatro da Paz; o Arrastão do Círio, movimento organizado por músicos com o objetivo de valorizar a musicalidade paraense.

No último ano, o Auto do Círio reuniu em seu momento de abertura diversas lideranças religiosas: católicas, evangélicas, pais e mães de santo, membros de comunidades Hare Krishna – todos com o intuito de promover a tolerância e a diversidade religiosa e firmar os laços com Nossa Senhora. O movimento reúne também os mais variados segmentos culturais de Belém e entorno: atores, músicos, bailarinos, cantores líricos entre outros (ver BRÍGIDA, 2008).

Algo marcante na festa, é que ela altera toda aquela rotina da maior metrópole urbana da Região Norte. As áreas em torno das festividades paralisam as avenidas aonde se viam fileiras de carros e ônibus, que agora dão lugar a um mar de gente de todas as idades, cada uma com sua própria forma de viver a devoção. Elas também estão presentes nas casas, muros, outdoors, praças... em todos os lugares e das mais diversas formas de expressão visual e sonora. Durante outubro, o Círio também se torna o principal motor de movimentação da cultura paraense e da economia da capital, de modo que “o lazer e o negócio convivem” com todo o resto. Até mesmo expressões vistas como profanas ganham ar sagrado. Ou como descreveu Isidoro Alves (1980), as barracas de alimentação, o parque, o almoço do Círio ou a cerveja na mesa do bar e toda a sorte de divertimentos acabam se incorporando à estrutura do ritual.

As expressões da religiosidade popular têm grande destaque durante os festejos: os pagadores de promessas que carregaram sobre suas cabeças os ex-votos, como maquete de casas, tijolos, livros, enfim uma gama de objetos que representam a graça alcançada. Também são frequentes as crianças vestidas de anjos, os carros e bicicletas enfeitadas, as pessoas a percorrer as ruas de joelhos, em um misto de gozo e dor. Toda manifestação é válida no intuito de pedir, agradecer, festejar a Mãe “Naza”, “Nazica” ou “Nazinha” como é chamada pelo povo.

 

Referências bibliográficas:

ALVES, Isidoro. O carnaval devoto: um estudo sobre a festa de Nazaré, em Belém. Petrópolis: Vozes, 1980.

BRÍGIDA, Miguel Santana. “O Auto do Círio: Festa, Fé e Espetacularidade”. In: Textos escolhidos de cultura e arte populares. Rio de Janeiro: IPHAN, v. 5, n. 1, 2008. pp. 35-48.

FIGUEIREDO, Silvio Lima. Círio de Nazaré: festa e paixão. Belém: EdUFPA, 2005.

Biografia do Autor

Cristian Sicsú da Glória, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião no Centro de Ciências Sociais e Educação (CCSE) da Universidade do Estado do Pará (UEPA).

Graduado em História no Centro de Estudos Superiores de Parintins (CESP) da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e mestrando no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião no Centro de Ciências Sociais e Educação (CCSE) da Universidade do Estado do Pará (UEPA).

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Publicado

2020-07-11