FORMAÇÃO LINGUÍSTICA DOS PROFESSORES INDÍGENAS SATERÉ-MAWÉ: UMA REFLEXÃO SOBRE O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E DE LÍNGUA MAWÉ NA ESCOLA INDÍGENA SATERÉ-MAWÉ

LINGUISTIC TRAINING OF INDIGENOUS TEACHERS SATERÉ-MAWÉ: A REFLECTION ON THE TEACHING OF PORTUGUESE LANGUAGE AND MAWÉ LANGUAGE IN THE INDIAN SCHOOL SATERÉ-MAWÉ

Eloísa Carvalho ARAÚJO[1]

RESUMO: Dedicar-se ao estudo acerca da Educação Escolar Indígena, mostrando as dificuldades dos indígenas diante desta situação não é uma tarefa fácil, exige muito além de dedicação, é preciso ter, com exatidão, conhecimentos específicos sobre a cultura, envolvendo o saber sobre os elementos linguísticos que fazem parte do contexto indígena. O presente estudo apresenta por meio de um modelo de pesquisa estudos sobre a formação linguística dos professores indígenas Sateré-Mawé, fazendo uma reflexão sobre o ensino de língua portuguesa e de língua Mawé na escola indígena Sateré-Mawé. Esta pesquisa tem como objetivo desenvolver uma reflexão acerca da formação das escolas indígenas, abordando a formação em linguagem do professor indígena, uma vez que é ele e o professor de língua portuguesa quem enfrentam dificuldades nas escolas, relatando o problema quanto à aplicação de uma teoria linguística adequada com a cultura indígena, sem fugir da realidade do aluno. Trata-se, nesta pesquisa, a linguagem como ferramenta humana de comunicação, constituída culturalmente por situações reais de uso. Assim, o presente artigo busca dar-lhe um caráter mais reflexivo tendo em vista a importância da temática às pesquisas sobre Educação Escolar Indígena, na área de Linguística Aplicada e Formação Intercultural de Professores.

Palavras-Chave: Sateré-Mawé. Reflexão. Linguagem.

ABSTRACT: Dedicating to the study of Indigenous School Education, showing the difficulties faced by indigenous people in this situation is not an easy task, it requires a lot of dedication, it is necessary to have, with exactness, specific knowledge about the indigenous culture, involving knowledge about the linguistic elements that are part of the indigenous context. The present study presents, through a research model, studies on the linguistic formation of Sateré-Mawé indigenous teachers, reflecting on the teaching of Portuguese and Mawé language in the Sateré-Mawé indigenous school. This research aims to develop a reflection on the formation of indigenous schools, addressing the language training of the indigenous teacher, since it is he and the Portuguese language teacher who face difficulties in schools, reporting the problem of applying a theory language with the indigenous culture, without escaping from the reality of the student.It is, in this research, the language as a human tool of communication, constituted culturally by real situations of use. Thus, this article seeks to give it a more reflective character in view of the importance of the theme to the research on Indigenous School Education in the area of ​​Applied Linguistics and Intercultural Teacher Training.
Keywords: Sateré-Mawé. Reflection. Language.
Recebido em: 31/01/2018
Aceito em: 10/09/2018

 

INTRODUÇÃO

Os índios Mawé habitam a Terra Indígena Andirá-Marau, localizada na região do Médio rio Amazonas na área onde se situa os municípios de Maués, Barreirinha e Parintins no Amazonas e os municípios de Itaituba e Aveiro no Pará é, portanto, uma região fronteiriça que, segundo os próprios Mawé, é o que restou do seu território ancestral que ia desde as cabeceiras do rio Tapajós até a foz do rio Madeira. São aproximadamente oito mil pessoas que vivem distribuídas ao longo dos rios Marau, Andirá, Urupadi, Manjuru, Abacaxi e Uaicurapá.

Os índios que se autodenominam Sateré-Mawé (Sateré= ‘lagarta de fogo’ e Mawé= ‘papagaio falante’), apresentam uma organização cultural e social muito forte preservando a língua e os rituais de maneira bem definida apesar de mais de três séculos de contato com os não índios.

Rodrigues (2005) quando comenta sobre a perda da diversidade linguística dos povos ao redor do mundo, considera, segundo parâmetros mundiais, que qualquer língua falada por menos de 100 mil pessoas tem sua sobrevivência ameaçada e precisa de atenção especial. No Brasil, todas as línguas indígenas têm menos de quarenta mil falantes. O Sateré-Mawé figura, neste quadro, como uma das línguas amazônicas mais representativas em termos quantitativos. Segundo Teixeira (2005), entre Terra Indígena e área urbana, são aproximadamente 7.500 pessoas que, em sua maioria, falam Sateré-Mawé. Destes, somente um percentual de 4,1% não apresenta domínio da língua, o que pode demonstrar certa vitalidade da mesma. Contudo, é preciso considerar certos fatores, tais como: o contato com a sociedade envolvente e o crescente processo de escolarização.

A educação é um dos assuntos mais abordados no âmbito político, social e cultural. Em se tratando de educação indígena, é notória a escassez de pesquisas e estudos em torno deste tema. Com isso, procuraremos discutir sobre o modo de como ocorre o processo de educação e escolarização nas comunidades indígenas.

 Desta forma, a questão a ser desenvolvida nesta pesquisa implica na reflexão da formação em linguagem do professor indígena enquanto professor de língua portuguesa e de língua indígena nas escolas indígenas, e o problema quanto à aplicação de uma teoria linguística que seja condizente com a realidade de seu aluno. Sabe-se, de fato, que o professor indígena encontra dificuldades ao aplicar seus conhecimentos linguísticos adquiridos durante a graduação, uma vez que o maior problema enfrentado decorre da complexidade de desenvolver práticas metodológicas condizentes com a realidade sociocultural e linguística dos alunos indígenas.

Silva (2010) ao tratar a competência linguística em português dos professores Sateré-Mawé, observou que mesmo com boa proficiência na fala, os professores associam a aquisição da escrita à língua portuguesa e apresentam grande dificuldade na aquisição da escrita da própria língua. Aproximam sempre o processo da escrita ao português.

A proposta deste estudo, em face das carências acima pontuadas, é basear-se num modelo metodológico de pesquisa da Linguística Aplicada e estudos específicos sobre ensino e aprendizagem de língua materna e língua portuguesa aos povos indígenas que preservam a língua materna como língua em uso, buscando um caráter mais reflexivo, haja vista a importância dessa temática às pesquisas sobre Educação Escolar Indígena, na área de Linguística Aplicada e Formação Intercultural de Professores. Considera-se nessa pesquisa a linguagem como ferramenta humana de comunicação constituída culturalmente por situações reais de uso.

Para subsidiar nossa reflexão sobre o ensino de língua materna e de língua portuguesa para povos indígenas serão utilizadas as leituras propostas em D’Angelis (2003, 2005, 2012) Cavalcanti e Maher (2005), Giroux (1997), Maher (1994), Monserrat (1994), Silva (2010 e 2007), Rodrigues (2010), Weigel (2000), além do que sugere o Referencial Nacional Curricular para as Escolas Indígenas – RCNEI, 2002.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Sabe-se que desde a constituição de 1988, os povos indígenas têm como direito garantido a educação específica, diferenciada e comunitária que caracteriza cada povo e cada nação indígena brasileira.  A “Educação Escolar Indígena” é o caminho mais viável para autonomia desses povos que possuem culturas e aspectos sociais próprios, além de diversas línguas indígenas faladas.  A educação formal e informal são executadas paralelamente, ambas com a mesma relevância e em comunidades indígenas, especialmente naquelas que mantêm grande contato com não índios. Educação Escolar Indígena não é sinônimo de Educação Indígena, respectivamente, representam a educação formal e educação informal. Muito se questiona sobre o tema e sobre qual deveria ser o modelo de escola indígena: Devemos ter uma escola “normal” ou uma escola diferenciada? Todas as singularidades das questões supracitadas serão abordadas no próximo segmento deste trabalho.

EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA E EDUCAÇÃO INDÍGENA: O ENSINO FORMAL E O INFORMAL

Apesar do uso da expressão “Educação Escolar Indígena” sabe-se que há diferenças em relação ao ensino. O ensino formal, ou seja, o ensino que é oferecido para não indígenas, considera o aluno como aprendiz dos saberes sociais e educacionais das sociedades ocidentais e apresenta um modelo de ensino que ‘deposita’ o conhecimento nos alunos que, na maioria das vezes, não questiona o professor e muito menos o modelo de ensino adotado pela escola que estuda. Já o ensino que é ofertado nas comunidades indígenas objetiva um processo de interlocução constante entre saberes, ou seja, ao mesmo tempo em que o aluno indígena aprende, ele também ensina sobre sua visão de mundo e seu conhecimento específico. O conhecimento de sua cultura é repassado oralmente entre as gerações, o que torna a dinâmica de aprendizagem constante e mais eficaz. Tanto o ensino formal do não indígena, quanto o ensino específico e diferenciado dos povos indígenas são de responsabilidade do Ministério da Educação (MEC) que tem como dever coordenar as ações feitas nas escolas e fiscalizar o bom andamento das ações sob sua responsabilidade e àquelas que são de responsabilidade dos estados e dos municípios.

É importante ressaltar que estes dois termos semelhantes têm significados bastante opostos. Ao tratarmos de “Educação Indígena” estamos em contato com a educação que ocorre no contexto social que vivem os índios, é um estudo que não faz uso da escrita e dos conhecimentos universais. Em objeção ao termo anterior, temos a “Educação Escolar Indígena”, onde fazem uso da escrita e valorizam os conhecimentos universais. Durante as aulas ministradas em região indígena, professores afirmam que essa situação é uma via de mão dupla, o aluno aprende e ensina ao mesmo tempo, assim como o professor ensina e aprende também. Objetivando a formação de um ser mais crítico, com conhecimentos universais e com os valores de seu povo impregnados em sua cultura ainda, é preciso que esses dois modelos de ensino se completem, para que, dessa forma, haja uma educação específica, em que se busque valorizar tanto os ensinamentos científicos quanto os saberes tradicionais de sua etnia.

O Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas – RCNEI orienta que as escolas indígenas levem em consideração toda a tradição e preserve a manutenção cultural de cada povo, principalmente tomando, para àqueles povos que ainda mantém sua língua materna como língua de instrução. Já para os povos que não têm mais a língua indígena como principal língua para comunicação, o RCNEI orienta que seja usado o português como língua de instrução, mas observando características específicas dessa variante da língua nos usos de cada comunidade indígena.

Essa ideia de respeito à diversidade cultural e linguística fica clara quando o RCNEI observa:

O Brasil é um país tão claramente multilíngue por que, então, no pensamento da grande maioria dos brasileiros, acredita-se que ele seja monolíngue, que a língua aqui falada é só o português? Para compreender essa questão, é importante entender que se os falantes de uma certa língua têm poder econômico e político, esta língua é, geralmente respeitada, tem prestígio: sua gramática é estudada, seu vocabulário é documentado em dicionários, sua literatura é publicada. Ela é a língua do governo das leis, da imprensa e por isso ela é chamada de língua dominante. Quando por outro lado, os falantes de uma certa língua não têm poder, sua língua é vista pelos que falam a língua dominante como se tivesse pouco ou nenhum valor (BRASIL, 2002, p. 108)

Rodrigues (2010) observa que há, aproximadamente, 180 línguas indígenas que são faladas no Brasil e, segundo relatório da UNESCO, todas as línguas indígenas existentes e ainda faladas no Brasil estão extremamente ameaçadas de extinção, entre elas o Sateré-Mawé figura como uma língua ameaçada e com um crescente processo educacional em andamento. Rodrigues (2010) alerta, ainda, para o fato do ensino da língua portuguesa em detrimento das línguas maternas desses povos, assim sugere um currículo que reforce o aprendizado bilíngue com especial atenção à língua materna.

Para Silva (2007) o indígena sente em algumas situações vergonha da sua condição social, isso gera preconceitos sociais e linguísticos. No caso dos Sateré-Mawé, Silva observa que:

Com a escolarização, veio a necessidade de dar prosseguimento aos estudos, assim, muitos jovens Sateré que terminam a primeira fase do ensino fundamental na terra indígena, migram para as cidades com o objetivo de dar continuidade aos estudos e lá permanecem [...] Em alguns casos, fica ameaçado o sistema de relações do povo, pois os jovens não querem mais respeitar os mais velhos e nem se dispor as atividades tradicionais, gerando conflito de geração que interfere na organização social (SILVA, 2007, p. 06).

POVO SATERÉ-MAWÉ E SUA EDUCAÇÃO

Localizados na Terra Indígena (T.I.) Andirá-Marau, na região do Médio rio Amazonas, entre os estados do Amazonas e Pará, respectivamente nos municípios de Maués, Barreirinha e Parintins (AM) e cidades de Itaituba e Aveiro (PA), os índios Sateré têm seu território sob responsabilidade do Amazonas, e sua administração é de responsabilidade de Parintins, Barreirinha e Maués, isto é, a aplicação dos recursos direcionados às escolas Sateré-Mawé envolvendo a formação pedagógica dos professores indígenas são feitas por meio das secretarias de educação das cidades supracitadas.

A população indígena tem como direito garantido a educação específica, diferenciada e comunitária que caracteriza cada povo e cada nação indígena brasileira, oferecendo ao índio um ensino que valoriza a cultura indígena, que objetiva um processo de interlocução constante entre saberes, em que a aprendizagem é uma via de mão dupla, proporcionando trocas de conhecimentos entre professor-aluno e aluno-professor, visando valorizar a cultura de cada povo, para que ambos e, principalmente, a cultura indígena, sua língua materna e rituais não sejam afetadas.

Nas regiões que habitam os índios Sateré a situação educacional sofre com problemas, como por exemplo, a falta do Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano), proveniente da escassez de professores formados para trabalhar nessa área, fazendo com que os jovens, em busca da continuidade dos seus estudos, abandonem suas terras, causando a perda da vitalidade de sua língua materna e de seus costumes, pois, na maioria das vezes, os jovens não retornam mais.

Para tentar amenizar o problema da falta de mediadores (professores), a SEDUC (Secretaria de Educação do Estado do Amazonas) contratou professores “brancos”, sem nenhuma orientação e formação pedagógica a respeito do contexto indígena, gerando para as escolas, nessas séries, rendimentos negativos e também fugindo do padrão e direito que o índio tem de uma educação específica e diferenciada.

A necessidade de formação específica e diferenciada de um número maior de professores, principalmente para atuar nos segmentos mais adiantados do Ensino Fundamental, a implantação de mais turmas de 6º a 9º anos e do Ensino Médio na área indígena, a construção-reflexão do Projeto Político Pedagógico das escolas sateré-mawé, associada a uma prática pedagógica condizente e a construção de material didático próprio são necessidades urgentes do povo sateré-mawé. Pois, apesar da legislação vigente dar aos indígenas o direito de escolherem seu modelo educacional e ensinarem sua língua e etnoconhecimentos, na maioria das escolas das comunidades sateré-mawé, o modelo educacional adotado não se diferencia muito do modelo das escolas rurais da região, sendo que a língua e os etnoconhecimentos indígenas não constituem, de fato, conhecimentos que fazem parte do programa educacional e que são trabalhados de forma sistemática na escola. (CARNEIRO; FRANCESCHINI; SILVA, 2012, p.05).

Outro fator que também contribui negativamente à educação indígena é a má gestão escolar. Os gestores ficam submissos ao poder político, no caso, às ordens do prefeito, manifestadas através dos secretários de educação. Funcionários na área da educação, principalmente os professores, são obrigados a seguirem as orientações do prefeito, não podem exercer e nem demonstrar seu senso crítico, gerando resultados negativos. Com isso, fica notório que a submissão da educação indígena aos políticos é um fator com grande responsabilidade pela má qualidade do ensino.

O povo Mawé tem consciência que é por meio da escola que serão realizadas mudanças importantes e grandes conquistas políticas. As crianças Sateré antes de terem o contato com a instituição escolar têm um grande contato com a sua cultura, com seus rituais, dessa maneira, dá-se à criança a oportunidade de conhecer a cultura do seu povo, conviver em espaços em que se predomina sua língua materna para que, somente depois, na escola, sejam introduzidas no contexto da língua nacional.

Conforme Giroux (1997) as escolas Sateré-Mawé começam a se fazer verdadeiramente indígenas, pelos indígenas e para os indígenas, com o investimento na formação de sujeitos intelectuais capazes de pensar e refletir sobre a própria cultura .Os indígenas Sateré-Mawé lutam por uma escola diferenciada, que valorize sua cultura e que apenas sejam inseridos os estudos das escolas dos brancos, fazendo com que ambas as culturas dialoguem. Segundo Weigel (2000) os indígenas lutam por deixar de ter uma escola de brancos em malocas de índios.

A desvalorização da cultura indígena, envolvendo a vitalidade da língua materna, no caso Sateré-Mawé, engloba vários fatores, um deles é o preconceito existente na própria sociedade indígena e o contato com os brancos. Por meio da valorização da cultura dos brancos, os próprios indígenas, isto é, os nativos da língua, passam a desvalorizá-la. Os processos de escolarização, a exploração da mão de obra indígena e diversos programas sociais, tornam-se um agravante nessa situação, uma vez que, a língua portuguesa é, para o índio, a língua do colonizador e o fato de aprender o português significa, para o nativo a possibilidade de poder lutar pelos seus direitos. Portanto, notamos que o português, segundo a visão indígena, significa uma grande arma, uma importante ferramenta no momento de garantir os seus direitos e lutar por eles.

Sobre a situação sociolinguística dos professores da região que habitam os índios da etnia Mawé, todos possuem domínio da Língua Portuguesa, com grande conhecimento e habilidades de fala, leitura e escrita. É importante explicar que mesmo afirmando ter competência na escrita, os professores apresentam problemas na grafia em textos em Língua Portuguesa.

Em relação à qual língua ministrar as aulas nas escolas indígenas, tem-se vários fatores que interferem quando se trata de educação escolar indígena, entre eles está o ensino de língua portuguesa como L1 ou L2, neste último para àqueles povos que preservam a língua materna. Na maioria das vezes a língua portuguesa é a língua de instrução nas aulas, mesmo em área indígena, isso porque os professores ou não dominam totalmente a língua nativa, ou são falantes de português. Isso torna as aulas, desde a alfabetização até o ensino médio, um instrumento de propagação de língua portuguesa (como língua majoritária), em detrimento da língua nativa dos povos indígenas.

 FORMAÇÃO SUPERIOR DOS PROFESSORES E LICENCIATURA INTERCULTURAL

Estudar sobre a Educação Escolar Indígena requer uma atenção especial para a formação dos profissionais de educação, tendo como base as problemáticas acerca deste assunto, em busca de melhorias na qualificação da formação superior dos professores Sateré-Mawé, a Universidade Federal do Amazonas (UFAM) implementou o Curso de Licenciatura Formação de Professores Indígenas – Turma Sateré-Mawé, que é um curso regular da UFAM e conta com o financiamento do Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Indígenas (PROLIND) da SECADI/MEC e com a parceria da Prefeitura do município de Borba.

Para desenvolver um curso adequado aos professores que irão trabalhar em escolas indígenas, no intuito de formar profissionais em nível superior 100% aptos e especializados em Sateré-Mawé com capacidade de ministrar aulas nas áreas de Ciências Humanas, Exatas e Biológicas, contribuindo para o avanço do projeto político-pedagógico das escolas, foram realizados estudos, por meio de entrevistas, visitas domiciliares nas aldeias, para que assim haja o conhecimento necessário sobre o contexto social, educacional e linguístico da etnia Mawé, sem desvalorização da cultura.

Em suma, os projetos de licenciatura intercultural indígena, como o proposto pela UFAM, busca levar uma educação escolar que atenda às necessidades do povo Sateré-Mawé, respeitando as exigências governamentais e, socialmente, quebrando algumas barreiras, formando professores qualificados para atuarem em suas comunidades e especializados em suas áreas de conhecimento, buscando na sua atuação docente uma melhor Educação Escolar Indígena na região Amazônica, particularmente, uma melhor educação escolar indígena do povo Sateré-Mawé.

 O ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA NAS ESCOLAS INDÍGENAS SATERÉ-MAWÉ

A Língua Portuguesa, conhecida pelos índios como a língua do colonizador, foi institucionalizada como obrigatória no componente curricular do ensino do Brasil por Marquês de Pombal, nas últimas décadas do século XIX, desde então, passa por várias mudanças.

A partir da Sociolinguística ocorreram mudanças no ambiente escolar, o primeiro ponto modificado foi incluir nas escolas e nos professores um processo reflexivo sobre as variedades linguísticas presentes em todas as regiões, sem trabalhar a Língua Portuguesa como única língua falada no Brasil, fazendo ser vistos os dialetos, assim como as Línguas Indígenas. O ensino da Língua Portuguesa no Brasil deve apresentar um ensino que visa estudar sobre as relações discursivas e de uso da linguagem.

     No contexto indígena, o processo de ensino não deve ser direcionado somente para o ensino da gramática normativa da Língua Portuguesa, ela deve ser trabalhada em sala de aula, porém, não pode ser o foco principal do processo ensino-aprendizagem.

Maher aponta alguns tópicos de grande importância ao trabalhar o ensino da Língua Portuguesa em sala de aula no ambiente indígena:

Evitar supervalorizar a metalinguagem: [...] não consideramos prioritário, em nosso contexto atual, que os alunos saibam o que seja um pronome, um sujeito ou um predicado. Não queremos com isto dizer que tenhamos abolido toda e qualquer reflexão metalinguística. Embora saibamos que ela não leva, necessariamente, o aluno a se tornar mais capaz de usar o português na prática — nosso objetivo primeiro! — não desconhecemos sua importância em termos motivacionais e políticos. Exercícios gramaticais ocasionais foram incluídos, sim, embora eles não determinem a tônica do material elaborado. (MAHER, 1994, p. 5).

         Nas escolas indígenas Sateré-Mawé o fato da sociolinguística apresentar diferenças entre as comunidades indígenas, causa dificuldades no ensino da Língua Portuguesa.  Existem alunos monolíngues em português; outros monolíngues em Sateré; alguns bilíngues com habilidade maior em português e menos em Sateré-Mawé e vice-versa. Os professores da região não têm nenhuma formação pedagógica específica para ensinar línguas nas escolas.

Outro ponto a ser abordado é o uso dos materiais didáticos. Os mediadores Sateré-Mawé trabalham com os livros fornecidos pela Secretaria de Educação para as diferentes regiões urbanas do Brasil, no entanto, isso ocasiona um ensino descontextualizado, pois esses livros desconsideram a realidade do mundo indígena onde vivem os alunos e professores.

Em suma, pode-se observar que a formação dos professores indígenas Sateré-Mawé e a construção de uma escola com ensino diferenciado e específico ainda requer muita atenção, fazendo-se necessárias várias mudanças no contexto escolar indígena.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho colocamos em pauta algumas das tantas questões pertinentes à educação na região indígena. Baseando-se nas reflexões feitas, foi possível notar a distinção entre o significado e a que se destinam os termos Educação Escolar Indígena e Educação Indígena, evidenciando a importância de ambas para a construção de um ser humano crítico, conhecedor dos saberes da escola dos “brancos”, juntamente com a cultura do seu povo sendo valorizada no decorrer da sua formação escolar.

A partir das abordagens acerca da educação como um todo e das reflexões voltadas especificamente para a educação no contexto indígena, nos focamos a estudar sobre a educação na comunidade da etnia Sateré-Mawé, aprofundado-se na questão da Formação dos Professores Indígenas Sateré, refletindo acerca do ensino de Língua Portuguesa e de Língua Mawé na escola indígena Sateré-Mawé.

Em virtude dos fatos mencionados, pôde-se observar que a formação dos professores indígenas Sateré-Mawé e a construção de uma escola com ensino diferenciado e específico ainda requer muitos reparos, fazendo-se necessárias várias mudanças no contexto escolar indígena. É necessário que a comunidade indígena e os poderes governamentais tenham ciência que para acontecer à educação diferenciada e específica, que é direito do índio, é preciso se ter consciência que seus conhecimentos vão além dos científicos e ultrapassam a sala de aula. É fundamental que a Educação Escolar Indígena seja vista como um meio de acesso para os conhecimentos universais e de valorização da cultura tradicional, aliando-se, de maneira que complete a Educação Indígena.

REFERÊNCIAS

BAGNO, M. Língua Materna, letramento, variação e Ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2002.

BRANDON, F. R. & A. & S. G. Dicionário bilíngue Sateré-português, português-Sateré. Versão preliminar 2. Unpublished [A previous version dated 1982 was recently included by the Summer Institute of Linguistic, Brazil banch, in its xeroxed (series Arquivos Linguísticos) under no. 224. Brasília: SIL, 1983.].

BOURDIEU, P. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Vozes, 2010.

CAGLIARI, L.C. Alfabetização e Linguística. 8ª Ed. São Paulo: Petrópolis: Vozes, 1970

CALVET, L. J. Sociolinguística uma introdução crítica. Traduação Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola, 2002.

CAVALCANTI, M..; MAHER, T. M. O índio, a leitura e a escrita o que está em jogo? Linguagem e letramento em foco. (Fascículo do curso de formação de escritores Indígenas). CIEFIEL, UNICAMP. Campinas, 2005

D’ANGELIS, W. R. (Org.). Ensino de Português em comunidades Indígenas (1ª e 2ª línguas). Campinas, SP: Curt Nimuendajú, 2013.

______. Aprisionando Sonhos: a educação escolar indígena no Brasil. Campinas, SP: Curt Nimuendajú, 2012:

______. Línguas Indígenas precisam de escritores? Como formá-los?,  Campinas: Cefiel – IEL-Unicamp, 2005.

DIRETRIZES para a política Nacional de Educação Escolar Indígena. Brasília:MEC,SEF, 1993.

FRANCESCHINI, D. C.; CARNEIRO, D. S.; SILVA, J. O. S. O ensino da língua portuguesa em comunidades sateré-mawé. Anais do SIELP. v. 2, n. 1. Uberlândia: EDUFU, 2012. ISSN 2237-8758.

GIROUX, H. A. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

ILARI, R.; BASSO, R. O português da gente: a língua que estudamos a língua que falamos. São Paulo: Contexto, 2011.

LABOV, W. Padrões Sociolinguísticos. Tradução: Marcos Bagno, Maria Marta P. Scherre, Caroline Rodrigues Cardoso. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

MAHER. T.M. Ser professor sendo índio: questões de língua(gem) e identidade. Campinas: IEL-Unicamp, 1994. Tese de doutorado

MARTELOTTA, M. E. Mudança Linguística uma abordagem baseada no uso. São Paulo: Cortez, 2011.

MONSERRAT. R. O que é ensino bilíngue: metodologia da gramática contrastiva. Em aberto, n 63. p. 11-17. Brasília: INEP, 1994. Disponível em: http://emaberto,inep.gov.br/index.php./emaberto/article/viewFile/942/847 Acesso em: 02 fev. 2015.

REFERENCIAL CURRICULAR NACIONAL PARA AS ESCOLAS INDÍGENAS – RCNEI valor (BRASIL, 2002 p. 108)

ROCHA, L. M., PIMENTEL DA SILVA, M. S., BORGES, M.V. (Orgs). Cidadania, interculturalidade e formação de docentes indígenas. Goiânia, GO: Ed. Da PUC Goiás, 2010

RODRIGUES, A. D. Sobre as línguas indígenas e sua pesquisa no Brasil. São Paulo: Ciência e Cultura, v.57, n. 2. São Paulo, 2005.

RODRIGUES, A. D. Línguas Brasileiras: Para o conhecimento das línguas indígenas. São Paulo: Edições Loyola. 2005.

SILVA, Rita do Carmo. A sociolinguística e a língua materna. Curitiba: Ibpex, 2009.

SILVA, M.B. Leitura, ortografia e Fonologia. 2.ed. São Paulo, Ática, 1993

SILVA. R.G.P Estudo Morfossintático da língua Sateré-Mawé. Campinas: IEL-Unicamp, 2010. Tese de doutorado

______. Esboço Sociolinguístico Sateré-Mawé. Revista Tellus, 2007.

SUASSUNA, Lívia. Ensino de Língua Portuguesa: uma abordagem pragmática. São Paulo: Papirus, 1995.

URIEL, W. Fundamentos Empíricos para uma teoria da mudança linguística. Tradução Marcos Bagno, São Paulo: Parábola, 2006.

TARALLO, F. A pesquisa sociolinguística. 8. ed. São Paulo: Ática, 2007.

TEIXEIRA, P. Sateré-Mawé: Retrato de um povo indígena. Diagnóstico sócio-participativo: UFAM, Manaus, 2005.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS (UFAM). Projeto Político Pedagógico: Curso de Licenciatura Formação de Professores Indígenas. Faculdade de Educação FACED. Manaus, 2008

WEIGEL. Valéria A. C. M. Escolas de branco em malocas de índio. Manaus: EDUA. 2000.



[1] Universidade Federal do Amazonas (UFAM). E-mail: eloisacarvalho2011@gmail.com